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Urbanista especialista em favelas escreve sobre Vila Autódromo em livro da Olimpíada 2016

Theresa Williamson, fundadora da ONG Comunidades Catalisadoras, acompanhou o processo de remoção da comunidade
A urbanista Theresa Williamson Foto: Divulgação / Álbum pessoal
A urbanista Theresa Williamson Foto: Divulgação / Álbum pessoal

RIO - Filha de uma brasileira e um inglês, a urbanista Theresa Williamson escolheu o Rio como o seu lugar no mundo. Para viver e como objeto de suas pesquisas. Nascida na Inglaterra, ela veio para o Brasil com 1 ano e aos 6 rumou para os Estados Unidos. Em 2000, como parte de seu doutorado, Theresa veio ao Brasil para visitar uma série de favelas cariocas e não saiu mais do país. Fundadora da Comunidades Catalisadoras, ONG que ajuda no fortalecimento de mobilizações em comunidades, ela recentemente escreveu um texto sobre a Vila Autódromo selecionado para o livro “Rio 2016: olympic myths, hard realities” (“Rio 2016: mitos olímpicos, duras realidades”), organizado pelo economista Andrew Zimbalist. Os textos de Theresa costumam ser publicados no Rio On Watch, site com reportagens sobre as favelas da cidade, um dos projetos da Comunidades Catalisadoras.<SW>

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De onde surgiu a vontade de estudar as favelas?

Nas minhas férias, eu sempre voltava ao Rio, me sentia conectada com a cidade. Como meu doutorado foi na área de planejamento urbano e eu estudava urbanismo e justiça social, as favelas cariocas foram um foco natural. Quando fiz as visitas, minha experiência foi muito diferente daquilo que eu acompanhava na mídia. A resistência, as iniciativas populares e a força daquelas pessoas para tentar melhorar de vida, mesmo com tudo jogando contra, me marcaram.

Nesse contexto surgiu a ideia da Comunidades Catalisadoras (em 2000)?

Isso, nossa função é fortalecer iniciativas comunitárias. Uma das primeiras favelas que conheci foi a Asa Branca, em Curicica. Era um lugar muito organizado. Quando cheguei, os moradores estavam consertando o sistema de esgoto por conta própria. Nós recebemos muitas solicitações de ajuda, fornecemos ferramenta e capacitação técnica, mas atuamos principalmente como facilitadores, ajudando no contato entre o grupo de moradores e algum movimentos de apoio, como outras comunidades mobilizadas, universidades, organizações, jornalistas.

O Rio On Watch é um braço desse projeto.

Publicamos textos sobre o cotidiano das comunidades. Fazemos denúncias, mas focamos em valorizar o ponto de vista dos moradores e os ativos das favelas. Estamos num ciclo de 120 anos de favelas no Rio, e nesse período os governantes sempre olharam esses lugares como um problema, um desafio. É uma visão contraproducente, por isso temos o quadro de hoje. Queremos enxergar o morador como protagonista. Existem problemas, então como enfrentar? Valorizando o que tem de bom ali e lutando contra o estigma que as pessoas sofrem. Na Muzema, uma moradora que corria risco de remoção me contou como amava sua casa, que ela tinha batalhado para construir e onde se sentia bem. Mas, no final, ela disse que preferiria morar na Barra, onde trabalhava como faxineira, e justificou assim: “Eu não aguento o jeito como as pessoas olham para mim”. Se ela fosse respeitada, não gostaria de sair da Muzema.

No texto sobre a Vila Autódromo, você destaca o legado positivo que aquela resistência representou. Acha que houve mais derrotas ou vitórias?

Enxergo os dois lados. Eu sei que para a grande maioria não foi vitória nenhuma. Os 20 que ficaram perderam a comunidade como ela era, mas resistiram. Era um local bem consolidado, eu diria que 10% das casas eram precárias, mais próximas da lagoa. No momento em que a sede da associação de moradores foi demolida, pensamos: “Acabou”. Só que em seguida veio uma sensação de que aquilo era muito grande, o legado era muito maior. Senti algo semelhante na morte da Marielle. No início, você pensa que tudo ruiu, mas depois vê que o legado vai ficar. A vitória da Vila Autódromo foi mais para movimentos futuros contra a remoção; uma mudança de paradigma. Várias cidades no mundo acompanharam (a situação). Em Los Angeles, que vai sediar a Olimpíada em 2028, há várias exibições de filmes sobre o caso carioca.

Você diz que a remoção era parte do projeto olímpico.

O imaginário de que a Barra está limpa de favelas é muito forte. Foi uma região desenvolvida pelo setor privado, não houve planejamento urbano para o todo, e sim para cada condomínio, numa lógica de exclusão. Quando o Carlos Carvalho (dono da construtora Carvalho Hosken) disse “como vai botar pobre ali?” (em entrevista à BBC sobre o Ilha Pura), ele falava com orgulho. Certamente muitos moradores pensam assim, mas eu acho que o atrativo do Rio é justamente a diversidade. E hoje vemos que a área da Vila Autódromo não foi usada para nada. Mas vamos supor que precisassem usar. O certo seria ter chegado a uma solução coletivamente. Eu sei que o surgimento de uma favela representa uma falha do poder público, e o morador da Barra pode querer lutar contra isso no início. Mas remover comunidades consolidadas há décadas não está certo. Além de tê-lo negligenciado na origem, agora você está jogando tudo o que o morador construiu no lixo. Temos esse ciclo permanentemente no Rio.

Como foi sua atuação na Vila Autódromo?

A Comunidades Catalisadoras deu apoio à mobilização dos moradores, com voluntários no local constantemente. Com o Rio On Watch, nós combatíamos a versão da prefeitura de que os moradores queriam sair. Fazíamos as coberturas das reuniões e dos protestos. É claro que houve moradores que optaram por sair, até porque, com a luta, conseguiram indenizações a preço de mercado, um feito inédito. Mas era uma minoria. A associação de moradores lutou para ficar. O certo seria a prefeitura oferecer casas a quem queria sair, mas ela quis jogar uns contra os outros. Por último, também facilitamos o contato dos moradores com a imprensa internacional.

Dois anos após a Olimpíada, como você vê a percepção a respeito do evento?

Acho que, no geral, a sociedade está encarando a experiência de forma negativa. Mas há o agravante da crise econômica. Se a economia estivesse bem, talvez a aprovação da Olimpíada fosse maior. O problema é que desperdiçamos uma oportunidade em que havia muito dinheiro para investimento urbano. As ações e obras só aumentaram a desigualdade na cidade, e agora nos questionamos para entender por que a violência cresceu. Só pensamos no tráfico, em vez de olhar todo o contexto histórico da formação do Rio,. Segregação resulta também em violência urbana

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