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2009

Entrevista exclusiva com Miguel Rossetto, presidente da Petrobras Biocombustíveis


BiodieselBR.com - 24 jun 2009 - 09:53 - Última atualização em: 07 fev 2019 - 12:31

Por Julio Cesar Simczak Vedana

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Ministro do MDA durante a gestação e implementação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e do Selo Combustível Social, e agora sob o comando da Petrobras Biocombustíveis, o cientista social gaúcho Miguel Soldatelli Rossetto recebeu com exclusividade o diretor de redação de BiodieselBR em seu escritório no Rio de Janeiro para esclarecer a atuação da estatal no setor de biodiesel.

Mesmo reconhecendo o sucesso do PNPB, Rossetto propõe reflexões sobre as regras do programa, partindo do selo social que precisa de mais mudanças até novas formas de comercialização do biodiesel.

Julio Cesar Simczak Vedana – O seu histórico de ligação com a agricultura familiar pode significar mais empenho da Petrobras Biocombustíveis (PBio) no trabalho com o pequeno agricultor?
Miguel Rossetto: Para nós, a equação central da produção de biodiesel é a do suprimento agrícola. Especialmente para uma empresa que tem a obrigação de buscar eficiência econômica, atendendo as exigências ambientais e o compromisso social. O desafio é fazer com que o diálogo e a experiência que nós carregamos com as organizações e os agricultores familiares colaborem com a construção de uma estratégia de suprimento agrícola adequada.
 

BiodieselBR – Com quantos agricultores familiares a PBio pretende trabalhar até o final do ano?
Miguel Rossetto: Nossa meta é trabalhar neste ano com 45 a 46 mil agricultores familiares.

BiodieselBR – E como vocês pretendem estruturar esse trabalho?
Miguel Rossetto: Este ano, começamos a rodar o nosso modelo para obtenção do Selo Combustível Social e iniciamos a organização de um arranjo produtivo, que daqui a dois ou três anos já terá uma grande estabilidade. Contratamos uma rede importante de várias instituições qualificadas e credenciadas para assegurar a transferência do conhecimento e assistência técnica para os agricultores e cooperativas contratadas. Concluímos também um processo de contratação de cooperativas de agricultores familiares nas bases territoriais das nossas três unidades.

Nossos contratos possuem um prazo de vigência de cinco anos, fundamental para a sinalização da relação de longo prazo que teremos. A Petrobras veio para ficar nessas regiões, portanto estamos construindo relações de longo prazo, relações que permitirão uma qualificação durante o período. Os preços poderão ser reajustados anualmente, estabelecendo preços e patamares mínimos que garantam remuneração ao trabalho do agricultor, e ao mesmo tempo uma condição de mercado, caso este seja superior ao preço base.

Trabalhamos com a qualificação da entrega de sementes de qualidade para esse agricultor e estamos buscando aperfeiçoar as relações do custeio agrícola. A Petrobras não financia o agricultor. Estamos buscando uma relação com o Banco do Brasil, com o BNB e com cooperativas de crédito para que possamos estimular um crédito agrícola qualificado. Temos muita confiança nesse arranjo produtivo, que começamos a estruturar nesse semestre e queremos consolidar no próximo. Portanto é uma estratégia de médio prazo, associada a todo investimento e atenção à pesquisa agrícola.

BiodieselBR – E as matérias-primas incentivadas?
Miguel Rossetto: Nós estamos trabalhando com as oleaginosas que fazem parte da cultura e da vocação da região semi-árida. A mamona, agora o girassol - uma novidade que a Embrapa nos apresenta com muito entusiasmo em várias áreas do semi-árido -, a macaúba - especialmente na região de Minas Gerais -, e estamos entusiasmados com as possibilidades do pinhão-manso. Trabalhamos também de uma forma menor com o algodão e em algumas áreas com soja, especialmente na Bahia e Minas Gerais.

Nossas unidades são todas flexíveis e nosso compromisso obviamente é assegurar uma relação com a agricultura familiar, previsto em lei, avançando em relação aos 30% com uma estratégia de suprimento variável e economicamente sustentável. Trabalhamos com muita confiança no semi-árido e adotaremos essa estratégia em todas as áreas de expansão. Paralelo a isso, obviamente, aquisição de óleos no mercado.

BiodieselBR – As mudanças realizadas recentemente no Selo Combustível Social foram suficientes para que esses projetos com a agricultura familiar atendam as expectativas?
Miguel Rossetto: Não. Nós temos que adequar, sugerindo inclusive várias mudanças. O programa de biodiesel é um programa novo e obviamente eu falo na condição de quem foi um dos coordenadores desse programa. As mudanças estabelecidas foram importantes, mas nós estamos sugerindo várias outras.

Mas há um desafio central, que é a relação de investimentos na atividade agrícola. Não podemos pensar em um arranjo agrícola a cada ano. Trabalhar, estabelecer e qualificar o arranjo produtivo agrícola é longo e demora muito tempo de investimento. A soja no Rio Grande do Sul tem 90 anos. O Brasil investiu décadas na soja e na cana-de-açúcar. Nós temos agora que reconhecer que existe um espaço de investimento necessário para as oleaginosas e a diversificação das matérias-primas. Talvez o exemplo mais claro seja o pinhão-manso. As pesquisas pararam e nós temos agora uma urgência de retomar as pesquisas com a planta.

BiodieselBR – Mas hoje o benefício fiscal do selo só acontece sobre o que for produzido de biodiesel com matéria-prima da agricultura familiar...
Miguel Rosseto - E isso tem que ser alterado, na minha opinião. Porque a matéria-prima utilizada será sempre a mais barata, disponível e com a qualidade necessária. Portanto haverá sempre uma flutuação de preços, provocados por uma série de elementos e conjunturas, formadores de custo e de preços, que não atendem o ritmo de organização de uma cadeia produtiva agrícola. Eu não posso deixar de estimular o girassol, a mamona e o pinhão-manso só porque neste momento essas matérias-primas não são utilizadas no processo de produção de biodiesel, por falta de volume ou preço.

Deve haver um equilíbrio entre o trabalho de fomento estratégico que as empresas estão fazendo para assegurar o Selo Combustível Social e para fomentar estrategicamente a oferta de uma diversidade de matérias-primas para o programa de biodiesel. Neste ponto deve haver uma adequação das políticas federais, especialmente em relação às empresas investidoras do Nordeste.

BiodieselBR – Da maneira como o selo está hoje, valeria a pena incentivar a agricultura familiar? Economicamente tem retorno?
Miguel Rossetto: Não. Não porque essa é uma necessidade de adequação da normativa. Os investimentos são de médio prazo e o que nos dá confiança na potencialidade de uma estratégia de suprimento a partir de mercados regionais. Exige um tanto de investimento. É evidente que hoje eu não posso usar mamona porque não tenho volume disponível e o preço não justifica sua utilização, havendo outras possibilidades de suprimento. O que o Brasil tem de enfrentar, e nós estamos dispostos a colaborar, é desenvolver uma rota de diversificação na produção de matérias-primas.

BiodieselBR – Você falou da mamona. Depois que vocês compram o grão, o que acontece com ele?
Miguel Rossetto: Nós vamos produzir óleo e avaliar a sua utilização.

BiodieselBR – Mas hoje vocês não estão utilizando a semente?
Miguel Rossetto: Não. Nós vamos iniciar o processo de esmagamento e avaliar a utilização desse óleo tendo em vista as questões de natureza econômica.

BiodieselBR – Vocês pretendem integrar esmagadoras ou fazer parcerias com esmagadoras?
Miguel Rossetto: Essa é uma agenda para o segundo semestre da Petrobras Biocombustíveis. A orientação com que trabalhamos é de verticalização. O nível de verticalização faz parte de uma estratégia que vamos definir no segundo semestre.

Hoje nós trabalhamos com contratação de esmagadoras. Há várias relações que estamos constituindo. O fundamental é ter estabilidade, segurança de abastecimento e obviamente uma equação econômica o mais positiva possível.

BiodieselBR – E a continuidade dos leilões de biodiesel é importante?
Miguel Rossetto: Esta é outra reflexão que deve ser feita sobre o programa de biodiesel, que é justamente a manutenção ou não de um leilão FOB nacional. Temos que refletir sobre a possibilidade de migrarmos para um leilão CIF nacional.

BiodieselBR – Nos moldes do que a Petrobras faz hoje com os leilões de estoque?
Miguel Rossetto: Exatamente. O programa de biodiesel é um sucesso, tanto que estamos antecipando o B4 e é muito provável que no ano que vem já tenhamos o B5. Mas as atualizações devem ser feitas a partir da experiência, e essas são as duas reflexões importantes. Primeiro, a adequação tributária em relação ao incentivo para assegurar um programa como instrumento de desenvolvimento social e econômico, com a atualização da certificação social. E depois, iniciar uma reflexão sobre a transformação desse leilão FOB em leilão CIF nacional.

BiodieselBR – Daqui a dois meses teremos mais um leilão e no final do ano possivelmente o início do B5. Poderíamos ter essa nova modalidade já no próximo leilão?
Miguel Rossetto: Não é uma proposta, é uma grande reflexão. O programa vem sofrendo corretamente atualizações, no sentido de responder aos objetivos do programa. E a discussão tem que caminhar para que isso seja preservado.

BiodieselBR – Em teoria, no próximo leilão de biodiesel a relação entre volume arrematado e capacidade ofertada deverá ser muito maior em comparação ao 14ª leilão. Com essa perspectiva de oferta elevada, não seria importante a antecipação do B5?
Miguel Rossetto: Seguramente.

BiodieselBR – Nesses momentos de oferta elevada e demanda reduzida, a diretriz da PBio de operar com plena capacidade pode ser revista?
Miguel Rossetto: Nossa estratégia é clara. Nós não completamos um ano de rodagem das nossas plantas e ainda estamos em fase de condicionamento das unidades. Faz parte de uma estratégia de investimento assegurar capacidade plena. Isso representa capacitação e eficiência operacionais. Nós vamos continuar com uma estratégia muito determinada de rodarmos com capacidade plena nas nossas plantas e com a maior remuneração possível. Esta é uma empresa que tem que assegurar retorno econômico aos investimentos que foram realizados.

BiodieselBR – Em relação ao preço da PBio no 13º leilão, o mercado achou que foi uma estratégia muito audaciosa...
Miguel Rossetto: E o que o mercado pensou da nossa posição no 14º leilão?

BiodieselBR Eu imagino que não podem discordar, já que foi a mesma postura adotada pela grande maioria.
Miguel Rossetto: Está respondido.

BiodieselBR Quais são os gargalos das usinas de Quixadá e Montes Claros?
Miguel Rossetto: Não existe nenhum gargalo. No nosso plano de negócios, estamos trabalhando com expansão da capacidade de produção das nossas três unidades. A ampliação se dará através de melhorias operacionais, isto que nós chamamos de desengargalar. Isso significa identificar pontos de estrangulamento e enfrentá-los. Outro ponto importante é que a ampliação das nossas usinas vai custar extremamente barato, pois as condições de dimensão são tais que permitem facilmente a ampliação agora.

BiodieselBR O senhor concorda que existe uma tendência de consolidação do setor de biodiesel, em que as usinas mais verticalizadas, com esmagadoras integradas, tendem a dominar o mercado?
Miguel Rossetto: Eu acho que sim, mas a situação é mais complexa do que parece. Quando pensamos em verticalização é preciso pensar a montante e a jusante. O processo de verticalização de uma atividade econômica deve ser visto para frente e para trás, ou para trás e para frente. Até agora nós falamos em verticalização a montante. Nós temos um ganho extraordinário de verticalização porque nós temos uma rede de distribuição e de venda. Portanto a eficiência da atividade econômica, no médio prazo, será verificada pela maior capacidade de articulação em toda a atividade econômica. Nós estaremos muito bem posicionados, em todos os níveis de verticalização.

BiodieselBR Hoje vocês são a única empresa com a verticalização na outra ponta, que é justamente a distribuição.
Miguel Rossetto: Ainda não temos.

BiodieselBR – A integração com a distribuidora?
Miguel Rossetto: Não, porque toda a venda acontece através dos leilões.

BiodieselBR – Aí entra outra questão: no primeiro trimestre a PBio foi a única cuja relação entre produção e volume de biodiesel vendido nos leilões passou de 200%. Ou seja, ela produziu muito mais do que vendeu. Como a comercialização se dá somente através dos leilões, o que está acontecendo com esse biodiesel extra produzido?
Miguel Rossetto: Todo ele é escoado. Existem estratégias de antecipação de produção por conta da aquisição de matérias-primas e estratégias que levam em conta a logística que nós dispomos de tancagem. Tudo faz parte dessa equação.

BiodieselBR – Esse biodiesel extra não é vendido nos leilões. Ele pode ser estocado, vocês podem deixá-lo guardado?
Miguel Rossetto: Claro. Da mesma forma se nós tivermos aquisições positivas de matéria-prima, como em todas as empresas. Faz parte de uma estratégia de estocagem e de custo de produção. São variáveis de logística que nós operamos, buscando eficiência econômica como qualquer empresa do setor.

BiodieselBR – As grandes usinas brasileiras estão localizadas perto da produção da matéria-prima ou perto do consumo. A Petrobras optou por regiões mais afastadas, como o semi-árido. Por que foi escolhida essa região?
Miguel Rossetto: Foram escolhidas a partir de critérios que apontavam essas microlocalizações como as mais eficientes do ponto de vista econômico e de logística. E essas microlocalizações foram determinadas a partir de uma opção estratégica da Petrobras de investir na região do semi-árido brasileiro. É por isso que chamo atenção para o debate em torno do leilão FOB ou CIF.

BiodieselBR – Por causa da localização das usinas?
Miguel Rossetto: Claro. Se eu tenho um eventual aumento de custo por estar distante da produção da soja, devo pensar se é correto que eu não tenha um ganho de logística por estar próximo a regiões consumidoras.

BiodieselBR E a usina premium em Pernambuco, que foi anunciada alguns anos atrás, o que aconteceu com ela?
Miguel Rossetto: Nós estamos permanentemente avaliando os nossos investimentos a partir do dinamismo do mercado.

BiodieselBR O plano estratégico fala em parcerias ou aquisição de usinas para 2009. Esse processo vai mesmo acontecer?
Miguel Rossetto: Claro que vai. A estratégia de crescimento da Petrobras Biocombustível tem duas variáveis: a construção de usinas novas 100% Petrobras e usinas novas ou aquisições compartilhadas com sócios privados. Estamos estudando várias possibilidades.

BiodieselBR Esse prazo não foi prorrogado. O plano será implantado este ano?
Miguel Rossetto: Os prazos são referência. O que orienta nossa ação são negócios positivos, investimentos positivos adequados.

BiodieselBR Será parceria ou aquisição?
Miguel Rossetto: Tudo faz parte da nossa estratégia: construção de unidades 100% Petrobras, aquisição de unidades e parcerias, minoritárias ou não, com o setor privado de biodiesel.

BiodieselBR Foi divulgado um investimento de cerca de 300 milhões de reais para as três usinas, algo próximo de 100 milhões para cada unidade. Mas fabricantes de usinas informam que uma usina de biodiesel com porte maior que as da Petrobras custam em torno de 50 milhões de reais. Por que o custo foi tão elevado em relação ao preço de mercado?
Miguel Rossetto: Por conta das exigências, do rigor e da qualidade da engenharia Petrobras.

BiodieselBR Esse rigor é especial da Petrobras?
Miguel Rossetto: É o padrão Petrobras, um rigor na engenharia que difere das demais usinas do setor.

BiodieselBR Faz mais de 30 anos que o Brasil criou o Proálcool. Por que levou tanto tempo para a Petrobras entrar no etanol, enquanto com o biodiesel ela entrou nos primeiros anos?
Miguel Rossetto: São estratégias diferenciadas e faz parte de um aprendizado da Petrobras, que fez com que o seu conselho de administração definisse a entrada na produção de etanol e de biodiesel. A Petrobras é uma grande empresa de energia e se constituirá – e esse é o objetivo estratégico – em uma das cinco maiores companhias de energia do mundo nos próximos anos. Então a participação através da Petrobras Biocombustível no etanol, no biodiesel e em outras atividades envolvendo biocombutíveis é hoje compreendido como altamente estratégico para a companhia.

BiodieselBR Como está a questão do HBio. A produção pode acontecer?
Miguel Rossetto: Está em stand by. As nossas refinarias têm capacidade operacional já testadas e serão utilizadas a partir da conveniência da Petrobras. Pode-se dar preferência, eventualmente, a qualificar o diesel – não como uma estratégia permanente, mas para melhoria de sua qualidade.

BiodieselBR Por que hoje o HBio não está sendo utilizado?
Miguel Rossetto: Porque não há necessidade.

BiodieselBR – Mas economicamente ele também...
Miguel Rossetto: Tecnicamente, a qualidade do diesel que estamos produzindo não necessita. Ou seja, nós temos condições operacionais testadas desta tecnologia, o que é muito bom. A Petrobras vai ou não utilizá-lo a partir da sua conveniência econômica e técnica.

BiodieselBR – E como a Petrobras visualiza as perspectivas para o futuro?
Miguel Rossetto: Nós estamos trabalhando para executar integralmente os nossos investimentos de plano de crescimento, fazendo da Petrobras Biocombustível uma empresa importante no setor em 2013. Não trabalhamos com o cenário de nos tornarmos produtores majoritários, mas de sermos bons produtores. Produzir com qualidade o nosso biodiesel, assegurar regularidade de entrega, cumprindo todas as exigências ambientais, colaborando com o desenvolvimento regional e com eficiência do ponto de vista econômico. Nós temos uma equipe de excelência técnica, profissional, operacional e tecnológica que está sendo utilizada para um crescimento positivo desta nova empresa e vamos investir muito em diversas tecnologias, como a agrícola e dos processos produtivos do biodiesel e do etanol. Há uma confiança e um entusiasmo muito grandes em participar desta atividade econômica juntamente com outros investidores privados do nosso país.
Julio Cesar Simczak Vedanaé diretor de redação da revista BiodieselBR e do portal BiodieselBR.com
Com fotos de Ricardo Stuckert/PR e Stéferson Faria/Agência Petrobras
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